Segundo
Edgar Morin (2000), o conhecimento escolar é derivado do conhecimento científico, no
entanto não se ensina o que é
conhecimento. Confirmando isso, em artigo publicado no site da revista
Scientific American Brasil chamado Teoria
Científica para quê? (ZAIA, Dimas A. M. et al, 2012), acerca de pesquisa
realizada junto a alunos de cursos de graduação da Universidade Estadual de
Londrina/PR cujo objetivo era analisar o nível de aceitação ou rejeição de
teorias diversas, encontra-se o dado curioso de que, durante a sua educação
escolar, informações sobre como tais teorias são desenvolvidas, de 621
entrevistados, 30% afirmaram nunca terem recebido qualquer explicação a
respeito. Essa é uma questão importante de se observar para que o ensino faça sentido
para o aluno.
Apesar
de passar vários anos nas escolas, ensinam-se ao alunado disciplinas que mais
parecem oriundas de uma curiosidade descolada da realidade concreta de sua vida
cotidiana. Isso faria conduzir a comunidade escolar inteira a equívocos graves,
entre eles o de que não há qualquer falibilidade no conhecimento científico e
no seu ensino, por isso, não deveria ser questionado. A partir disso, fica
claro que a própria transmissão desse conhecimento, dentro dessa visão imprópria
do infalível, vem a conduzir a cada
vez mais erros e ilusões (Morin,
2000).
Haver
esse pensamento implica em observar que o conhecimento, etimologicamente, vem
de conhecer e nisso explicita-se o caráter empírico que permeia o próprio
método científico. Conhecer inclui o
reconhecimento de que, ao se buscar saber, o ser humano expõe-se aos riscos de
pesquisar e interpretar de maneiras diversas, inclusive erradas, mas que ao se
tomar consciência do que significa o
saber, as chances de sucesso aumentam consideravelmente. Assim, o
conhecimento é concebido como um movimento de percepção e reconstrução constantes.
Analisando-se
assim, faz sentido buscar o que é
conhecimento de fato, segundo uma perspectiva de relevância, ou pertinência (MORIN, 2000). Saber algo
sobre alguma coisa significa possuir ciência de algo que, dentro da realidade
concreta da qual se partiu para sua abordagem, é importante sobre o tema. Essa importância só pode ser admitida,
como também reconhecida, se for possível por meio de um modo de conhecimento (MORIN, 2000) apreender o conhecimento como
parte de um contexto e estabelecer o próprio contexto. É característico do ser
humano correlacionar as partes ao todo e vice-versa a partir de elementos essenciais, assim o ensino teria como
uma de suas premissas essenciais restabelecer esse atributo no que se refere ao
conhecimento em seu sentido mais amplo, sobretudo em conjuntura escolar – tão
fragmentada pela visão desarticulada das disciplinas como trabalhadas
atualmente.
O
próprio ser humano em sua condição de parte de uma natureza mais ampla –
física, biológica, social, cultural, psíquica, histórica – também carece de
rearticulação de si como possuidor de uma identidade
complexa (MORIN, 2000) que envolve todos esses aspectos paralela e
simultaneamente. Tal saber de si não pode ser sinalizado como algo externo no
ensino, visto que o processo educativo necessariamente leva ao reconhecimento
de si em relação a si, ao conhecimento e com o outro. Isso equivaleria a dizer
que o ser humano é complexo e aprende a ser e exerce plenamente seus atributos sendo
e se reconhecendo como tal em face à exposição a outros seres humanos e ao
conhecimento produzido por todos.
Desdobrando
esse aspecto humanizador do conhecimento, tem-se que os saberes que se
adquiririam num projeto de ensino de tal característica mobilizariam também o
conceito de que, ao se participar dele, evolui-se como espécie e, por
conseguinte, todo o planeta. Estabelece-se, destarte, o progresso do ser como
parte da espécie e membro consciente
de que isso contribui com a sustentabilidade de todos os sistemas que mantém a
vida na Terra. Para progredir, deve-se ter em mente que houve diferentes estágios
na evolução deste astro e que cada um deles possuiu sua razão de ser produziu
desenvolvimento e que, mais especificamente, o estabelecimento da humanidade
com seus acertos e erros poderia – como pode – contribuir muito mais pelo bem
de todos. De tal maneira, vive-se uma época em que todos têm responsabilidade
nisso.
Fazer
parte de um sistema tão amplo e complexo expõe a momentos em que não há
controle total das situações e o imprevisto, a dúvida, a Incerteza (HEISENBERG, 1927) pode ser um elemento da vida que
fomentaria possibilidades de crescimento, sobretudo no ensino. Então, ter-se-ia
a partir disso que ensinar que e como isso contribuiu para a evolução das ciências, assim como do
próprio ser humano, é parte fundamental do processo educativo. Esse seria um saber (MORIN, 2000) que traria uma nova
consciência inclusive do progresso humano na história, preparando o alunado a
enfrentar e se posicionar face a contextos os mais variados em ambientes também
diversos, abandonando a zona de conforto da concepção de um mundo de obviedade
tola para avançar rumo às múltiplas possibilidades de descobertas, científicas
ou não. O ensino, por esse prisma, seria uma experiência a partir da qual se
fomentariam mentes lúcidas, articuladas e criativas.
Outro
saber sinalizado pela teoria de Morin é a compreensão.
Mentes lúcidas, articuladas e criativas funcionam melhor à medida que se
relacionam com a diferença. Compreender é reconhecer o outro da maneira que ele
é e procurar estabelecer um vínculo de respeito e tolerância que promova o
desenvolvimento de ambos. É essa percepção, sob os primas objetivos –
intelectuais – ou intersubjetivos – humanos e humanizadores –, que fomenta a
solidariedade não-hipócrita, i.e., verdadeira no sentido em que no ensino, por
exemplo, há o reconhecimento de que o conhecimento constitui o ser humano como
indivíduo em relação ao outro e como espécie, parte de um conjunto complexo,
extremamente heterogêneo, por seu caráter de partilha de saberes segundo os
quais se estabelecem relações tipicamente humanas.
O
último saber do pensamento do intelectual francês é a antropo-ética, i.e., a ética do ser humano. Essa deve ser ensinada
segundo o princípio de que a pessoa existe em três esferas distintas
simultaneamente: indivíduo, sociedade e espécie (MORIN, 2000). Como indivíduo,
deve-se desenvolver um comportamento que atenda a missão antropológica de agir
em prol da democracia humana, do bem comum e da convivência. Assim, a
antropo-ética seria, no ensino, mais que um saber último, mas elemento
civilizador de toda a comunidade escolar.
Da
conjugação de todos esses saberes em uma estratégia de ensino articulada é que,
então, ter-se-ia um alunado com competências e habilidades adequadas para o
desempenho da cidadania no mundo atual. Uma prática docente que se imagina
transdisciplinar precisa cumprir com esses objetivos, mas também se valer de
uma dialogia própria para que seja efetiva. Na área de Linguagens, entre suas
teorias basilares, tem-se na Análise Dialógica do Discurso elementos que
justificam esse pensamento e valendo, assim, colocá-los dentro dessa perspectiva
teórica.
Assim penso.